...e assim dei uma surra no meu Pai oferece um relato sensível sobre as possibilidades de superação, perdão e reconstrução afetiva em contextos marcados pela violência e abandono. Ao acompanhar a trajetória de Luís Mário e sua família ao longo das décadas, a obra investiga as marcas emocionais que moldam identidades, assim como a capacidade humana de transformação, ainda que tardia e imperfeita.
A família é apresentada simultaneamente como fonte de opressão e espaço para cura, evitando simplificações maniqueístas ao retratar personagens complexos, contraditórios e capazes tanto de crueldade quanto de ternura.
José Maria, inicialmente figura quase unidimensional de autoridade dura, gradualmente revela suas próprias feridas e limitações, não para justificar seus atos, mas para proporcionar compreensão mais profunda da natureza humana.
A combinação entre dramas individuais e o contexto histórico-social brasileiro — especialmente a Ditadura Militar, a pobreza rural e as mudanças culturais recentes — confere à narrativa uma dimensão que ultrapassa o drama particular, relacionando experiências pessoais a estruturas sociais mais amplas.
A incorporação de temas contemporâneos, como diversidade sexual e novas configurações familiares, reforça o compromisso com uma visão dinâmica da sociedade.
A linguagem regional, os cenários rurais e as tradições gaúchas são integrados de modo orgânico, evitando tanto o pitoresco quanto o estereótipo, para construir um universo ficcional coerente e autêntico. O equilíbrio entre episódios dramáticos e momentos de leveza contribui para a verossimilhança das interações humanas retratadas.
A estrutura circular da obra, na qual o protagonista eventualmente adota com seus filhos e netos relações diferentes daquelas que viveu com seu pai, abre espaço para a interrupção de ciclos de violência intergeracional. Ao mesmo tempo, a presença de personagens como Geanina, que não consegue perdoar completamente José Maria, evidencia os limites do perdão e a persistência de algumas feridas.
A narrativa propõe uma reflexão sobre a memória como instrumento de preservação do passado e, simultaneamente, de sua reinterpretação e ressignificação. As recordações traumáticas, inicialmente fontes de dor e ressentimento, são gradualmente integradas a um entendimento mais amplo da experiência humana, permitindo aos personagens encontrar, apesar das perdas e limitações, alguma forma de redenção e significado.