O dia em que conheci Brilhante Ustra, de Alexandre Solnik (Ed. Geraço, 160 p., 2024), relata a priso do autor, no dia 4 de setembro de 1973, seu encarceramento por 45 dias e sua soltura, sem nenhuma explicaço, depois desse periodo em que viveu os horrores de testemunhar violencias e torturas contra presos politicos.O Brasil vivia uma ditadura militar, com enfrentamento entre grupos de luta armada e o governo, que recorreu a represso, inclusive por grupos clandestinos, prises ilegais, tortura e morte de pessoas, muitas delas inocentes.Foi o caso de Alexandre Solnik: ele foi confundido com um militante de um desses grupos e preso. Ele relata sua rotina na priso, em um diario, dia apos dia. Fala de sua convivencia com um colega de cela que e barbaramente torturado, quase todos os dias. Descreve seus medos, terrores e sensaçes. Relembra fatos de sua vida e dos membros de sua familia, imigrantes ucranianos.O relato e muito pungente. No obstante toda a violencia, ha pequenos respiros no texto, entremeado por brevissimos e inusitados trechos de humor, digresses e poesia. Essa ultima lhe empresta beleza unica, sobretudo quando e amarga, triste ou desesperada. Ja as digresses so marcantes e, entretanto, no abandonam a narrativa corrente, ou seja, so espaços encontrados que podem fazer uma curva ou outra, sem nunca se desviar do caminho principal.O relato em primeira pessoa da uma vida extraordinaria ao livro, mesmo quando os fatos no so vividos pelo narrador, mas por seu companheiro de cela. Engana-se quem espera uma narrativa linear. Ela ganha tons de diario jornalistico quando da leitura dos fatos ocorridos no Chile que viveu um golpe enquanto Solnik estava preso acompanhados pelos jornais com os quais a me inteligentemente embrulhava as refeiçes.Ha tambem os momentos de dialogo com quem le, um convite a participar mais diretamente do livro; se toda a narrativa e construida como quem esta compartilhando diretamente a sua experiencia, esse trecho em especial nos "puxa" para dentro da historia, usando a forma para nos levar a experimentar, de maneira profunda e comovente, o conteudo.As cenas de tortura do companheiro de cela so o auge da bestialidade. Nessa parte, o relato, muito real, tem um final extremamente eloquente, como se a pessoa torturada no fosse ninguem, nada. Impressiona tambem a descriço psicologica dos carcereiros e torturadores. A narrativa consegue levar o leitor para os pores da ditadura. Os torturadores, por sua vez, no so tratados como monstros. Como escreveu o Cardeal om Evaristo Arns, no prefacio de Brasil nunca mais, o torturador pode ser aquele que passa a mo na cabeça do filho do vizinho na rua. Isso da um carater humano, profundamente humano, as entranhas sombrias que podem habitar uma pessoa imbuida de um poder quase absoluto sobre a outra.Por isso, e fundamental que tenhamos atenço ininterrupta e completa sobre os meandros da natureza humana e sobre como ela pode se manifestar em sua forma mais infame quando o contexto o permite. O livro e muito bem-vindo para que essa lembrança seja uma cicatriz visivel e latente em nossa memoria.
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